terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Capítulo 4

- E então, minha amiga, qual o saldo da noite? Valeu a pena deixar de lado um pouco do marasmo e vir conosco?

A pergunta parecia vir tirá-la de um transe no qual perdera quase meia hora, dentro do carro de Marcos, cortando a madrugada entre os arranha-céus do centro da cidade. Um lugar tão deserto, àquela hora, onde muitos provavelmente não suspeitariam o quanto poderia se passar. Claro, durante a semana inúmeros bordéis e casas de strip estariam sempre de portas abertas, para receber os empresários e trabalhadores que àquela hora estivessem escapando tardiamente do trabalho árduo. Muitos desses provavelmente já sob o manto de terem avisado suas esposas que teriam coisas a adiantar, se não quisessem perder o final de semana. Mas era domingo e Lara acreditava que mesmo aquelas mulheres trabalhadoras estariam longe dali.

- Marcos, eu só posso agradecer a vocês dois, por hoje. Se nada mais, a noite certamente foi... – Procurava qualquer palavra melhor, na certeza de que V aprovaria a primeira que lhe viera à mente, com um sorriso de escárnio, naqueles lábios perigosos. Então desistia de procurar. – educativa. Não dá pra imaginar como essas coisas rolam até você ver assim de perto, realmente. Difere demais do que eu imaginava, sabe? Vocês me falavam disso, muito de vez em quando, e eu ficava pensando “que coisa de doido!”. Mas até vocês dois são fichinha, né? Perto daquele pessoal lá dentro.

Paula começava a rir, dentro do carro, olhando-a por cima do ombro. – Fichinha é ótima, minha amiga! Mas acho que somos, sim. Essa noite foi intensa, você até deu sorte. – Dava uma risadinha breve. – Quer dizer... se for sorte o interesse do Victor pela sua “baunilhisse”. Ele quase não costuma fazer nada, nas festas, é mais quando está empolgado com alguma prática nova, ou então quando a dona da festa decide pentelhá-lo tanto que ele não pode dizer não. Mas, como muitos Dominadores, ele também curte quando olhares curiosos se arregalam na direção da pobre samantha. E você, Larinha, era decerto o olhar mais curioso, ali dentro.

Os três dentro do carro começavam a rir, com aquele último comentário, e a convidada respirava fundo, observando o próprio reflexo no vidro da janela, contra a paisagem tão escura. Fitava os próprios olhos por um longo tempo, agora, pensativa. Por mais que se esforçasse em rejeitar a idéia de que poderia vir a gostar de tudo o que vira, achava difícil não pensar que poderia ser pelo menos interessante, como toda experiência nova. Percebia que o quanto antes rejeitava tudo aquilo apenas reforçava o frio que sentira à barriga, enquanto presenciava aquelas cenas. “Ao menos não é ‘coisa de maluco’ nem violência”, ela pensava, até como um meio de se consolar.

Marcos seguia rapidamente, o carro mergulhando na imensa pista da Avenida das Américas, quando chegavam à Barra da Tijuca e aquelas muitas luzes de certa forma ajudavam Lara a sentir-se um pouco mais confortável, perto de casa. Paula, no banco da frente, deixara-se levar pelo sono de uma noite agitada e estava de olhos fechados, a cabeça pendendo um pouco na direção do vidro da janela. Entretanto, a advogada no banco de trás não conseguia sentir um pingo de sono, pensativa ainda. – Marcos... não sei o quão mal pode soar, perguntar essas coisas. Mas você e Paula já? Tipo, aquilo tudo lá na festa foi tão pesado...

- Se a gente já fez algo tão hard, daquele tipo? – Ele antecipava, até porque sentia o constrangimento da amiga. – Não exatamente. Mas cada um se deixa levar aos níveis que lhe agrade, afinal. Tem gente tão masoquista que não se satisfaz com menos do que aquilo ali. E quem somos, eu ou você, para pensar mal disso? – Ele ria baixinho, seus olhos encontrando os dela pelo retrovisor. – Aquela menina, por exemplo, a samantha. A gente conversou com ela, depois da cena. Diria que ela seja uma pessoa fraca, ou carente? Aliás, faz o tipo que provavelmente os amigos e colegas de trabalho se espantariam se soubessem o que rola em noites como essa.

- Ela até falou que quando começou com Victor, tinha um namorado que não sabia nada dessas coisas, né? – Lara comentava. – Isso eu acho realmente estranho, aliás. Sei lá, ela esteve tanto tempo com alguém que ela já sabia que não a satisfazia. De certa forma eu sinto até pena de quem quer que fosse, porque provavelmente nunca nem soube. Sei lá, Marcos, isso eu não conseguiria.

- Vai ver você mencionou a palavra certa... satisfazia. Quem pode dizer que ela estava com um rapaz que realmente não a satisfazia? Emocionalmente, talvez ele a satisfizesse bem mais que Lorde V, àquela época. Os dois começaram apenas como Dominador/submissa, então vai ver ela precisava de algum laço emocional mais forte, porque isso lhe faria falta. No entanto, Victor acabou se tornando bem mais para ela, você deve ter percebido. E ele vai relutar em admitir, mas deu a ela um papel bem maior que o de escrava, também. Por trás daquela fachada, eu acredito que ele realmente a ame. Ou não teria interferido no que a Dama Negra fazia com a menina, até para depois ganhar um motivo a mais para puni-la.

Aquilo de certa forma quis embrulhar o estômago de Lara. Ela também notara o olhar carinhoso daquele homem por sua submissa, e isso a fazia imaginar que qualquer interesse que pensasse ter visto nos olhos de Victor quando fitara os seus era meramente carnal, possivelmente apenas o interesse por uma “virgem” no assunto. Alguém que ele pegaria de surpresa em cada esquina do percurso. Mas então, lembrava-se do olhar de desafio que samantha dirigira a ela mesma, ao final daquela cena. Aquela menina tinha ciúmes de seu Dono?

- Muita gente prefere não envolver o emocional com essas coisas, Larinha. – Paula, ainda de olhos fechados e com a voz suave pelo cansaço, interrompia seus pensamentos. – E não dá para culpá-los, porque fica realmente complicado conciliar as duas coisas, certas horas. Tem quem afirme que amar uma submissa torna impossível puni-la como se “deveria”, certas horas.

- Mas ora bolas, não é ele quem decide como é que se deve ou não lidar com a necessidade de uma punição? Por que pelo que entendi, é essa a regra, não? Então quem é que poderia julgá-lo por isso? – Lara tentava não ficar confusa.

- Hahahahahahahahahaha! Você tem toda razão, amiga, tecnicamente ninguém poderia se sentir no direito de julgá-lo, dessa forma. – A amiga retrucava. – Mas a gente sabe que tem gente que adora meter o dedinho no que não lhe interessa, onde quer que seja. Por quê seria diferente, com esse pessoal? Tem gente que adora, que acha que ser melhor é ficar criticando a prática dos outros. Então pegam qualquer caso fora do comum e ficam levantando comparações, adoram uma “cartilha” pra ficar fazendo imposições à diversão dos outros, sabe como é? Agora, cá entre nós... algo do que você presenciou essa noite pode ser considerado “pegar leve”? Porque acho que os três aqui já concordamos que Lorde V e samantha têm mais que uma coleira entre eles.

Lara sentia um arrepio subir a espinha, como se ao mesmo se lembrasse dos olhares de Victor e samantha, sobre ela. Se aquilo fosse algo leve, ela realmente não queria nem tentar imaginar o que poderia ser pesado.

- Mas veja bem, são maneiras diferentes de ver a coisa, não existe realmente como gravar nada na pedra, com relação a isso. Cada um faz e lida com essas práticas como melhor lhe convier e agradar. Os únicos limites convencionados entre os praticantes do mundo inteiro são a sanidade, a segurança e a consensualidade. Desrespeitadas essas “fronteiras”, é crime, é violência. – Marcos tomava um tom um pouco mais sério. – O que quer que você faça, no meio, se torna responsável por observar essas convenções, com atenção. São as margens dessa liberdade de sermos nós mesmos, de explorar nossos anjos e demônios. Eu acho que o preconceito baunilha muitas vezes surge porque é fácil associar o BDSM à promiscuidade. E também não dá pra contestar que existem muitos do meio que se tornaram praticantes exatamente por essa “promessa”. – Havia um tom de desaprovação, em como ele falava disso. – Tem quem ache que estar em uma dessas festas é desculpa pra agir feito bicho no cio. E o pior certamente são dominadores que acham que ser competente é estapear qualquer rabo de saia supostamente submisso que se esfregue neles.

Paula ria um bocado, desse comentário. – Ah, sim, esses são tão ridículos que dá até pena, amiga. É cada papelão que não dá nem pra contar. Mas, convenhamos, todo grupo social tem dos seus patetas, porque seria diferente no mundo BDSM? Que é engraçado, é! Se você for a mais algumas festas, vai começar a reconhecer o tipo, é bem fácil. Cantam mil vantagens de escravas perfeitas das quais ninguém ouviu falar, são normalmente os que mais metem o dedinho deles na senzala alheia e ficam deixando qualquer par de pernas se esfregar aos seus pés. Pra você, que ficou brincando comigo e com Marcos que estava indo à festa por “mero estudo antropológico”, é um prato cheio.

O carro entrava em meio aos grandes condomínios da Barra, perdendo-se por entradas gradeadas com guaritas fumê, quase invisíveis em meio à madrugada, e Marcos e Paula despediam-se de Lara à frente de seu bloco, antes de mergulharem na rampa para debaixo do bloco dos dois, apenas poucos metros depois.

No elevador, fitando o próprio olhar no espelho, a advogada buscava no fundo de si aquela mesma força que lhe desafiara durante a festa, mais cedo. Lembrava-se de persa e siamesa, no banheiro daquele lugar. Pensava em Lorde Victor e sua escrava, em tudo o que havia presenciado àquela cruz incomum, à baixa luz do local. E sorria, para si mesma. Tinha achado que seria uma noite tranqüila e chata, em casa, antes do convite do casal de amigos.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Capítulo 3

Na pilastra, do lado oposto à cruz, samantha estava presa. Lara perdeu a noção do tempo desde que vira aquele olhar de desespero e tinha certeza que a jovem submissa também. Aqueles pulsos atados firmemente, puxados para trás, deixando a menina ali entregue de peito aberto para o Dono e todos aqueles olhares. Estava presa não apenas pelas mãos, no entanto. A corda ainda abraçava-lhe o tronco, logo abaixo dos seios expostos. Victor lhe ordenara que tirasse o vestido e ela agora vestia apenas o espartilho negro, de um tecido que de certos ângulos brilhava com as poucas luzes do local e das velas à sua volta, no chão.

O rosto estava úmido, reluzindo lágrimas que teimavam em escorrer. A menina parecia exausta de tantos gritos abafados contra a mordaça e toda a dor que sentia, que maltratava-lhe o corpo. Os cabelos lhe caíam à frente do rosto, escondendo a vermelhidão de alguns tapas atrás das mechas de mesma cor. Lara lembrava-se de siamesa no banheiro e entendia por que Mestre V não permitia que samantha usasse qualquer maquiagem, exceto pelo batom. Se aquela primeira submissa havia chorado um pouco, em meio ao sadismo de seu Senhor, esta agora estava em prantos. As lágrimas descendo em profusão pela face, deslizando até aqueles seios tão doloridos. Da corrente que unia os pregadores de metal dos mamilos, pendia um peso em forma de diamante, metálico. Sobre os seios, em pontos diversos, escorriam e secavam minúsculos filetes de sangue, de agulhas ainda espetadas, pequenas, curtas e finas, como as normalmente usadas em testes de glicose. Algumas poucas haviam caído ao chão, em meio aos soluços da menina, mas para essas seu Dom apenas olhava friamente, antes de coletá-las para evitar qualquer acidente.

Ele rodeava-a, ali... parecia um artista observando sua obra em progresso: uma estátua com o rosto marcado pelos tapas, a bola de borracha da mordaça entre os dentes, com saliva escorrendo pelos cantos da boca, juntando-se às lágrimas. Os ombros e as costas soltando flocos de cera derretida que caíam ao chão suavemente, pouco a pouco. Os pulsos atados com firmeza sem no entanto apertar demais, para permitir a circulação. A corda atravessada ao tronco, firmando-lhe o corpo contra a pilastra antes fria. As coxas e o que estava à mostra do abdômen repletos de lanhos e riscos vermelhos, marcas do facão que ele agora tinha nas mãos. Era uma lâmina decorativa, sem fio, mas que deslizava sobre aquela pele com força, arrancando gritos e deixando linhas, riscos, desenhos . As nádegas estavam ainda mais vermelhas e inchadas de novos abusos sofridos antes mesmo de ser amarrada.

Tudo ao redor deles ficava em silêncio, a música estava bem baixa, como se o DJ soubesse que não devia atrapalhar a sinfonia dos arfares e gemidos da submissa. Como se aqueles soluços incontidos de dor e desespero fossem o mais importante, ali. Lara se imaginava vividamente no lugar de samantha, agora. Tantos olhos perscrutando seu corpo, deslizando sobre sua pele como se mesmo aquele espartilho fosse roupa demais. As pernas da submissa estavam cruzadas, tremiam fortemente e entre elas algo escorria, pela pele e por sobre um fio de cor bege, que saía de seu sexo. Victor presenteara-lhe com um bullet, um ovo de acrílico, vibrador, que estava ligado, dentro dela. A ordem para que não o deixasse escorregar para fora de si havia sido clara e as pernas cruzadas eram uma vã tentativa de fazê-lo. A submissa podia senti-lo, pouco a pouco, deslizando dentro dela e descendo. Amaldiçoava a gravidade. O fio serpenteava por entre as pernas da escrava, até uma pequena caixa de plástico da mesma cor, caída aos seus pés. Ali havia uma chave que controlava a intensidade do motor, nesse momento ligado à metade da potência.

- Eu voltarei a você quando parar de frescura e engolir o choro, vadia. – Mestre V sorria como talvez apenas o próprio demônio soubesse sorrir, tamanha a malícia no curvar daqueles lábios, enquanto se afastava de volta à mesa. Lá se sentava uma Lara atônita, muda. Paula tinha que conter o eventual riso, notando as reações da amiga. A música não aumentava, todos permaneciam com seus olhos à menina, a maioria dos Tops sorrindo, as reações dos bottoms variando um bocado, de espanto e pena a uma admiração sincera. Assim que ele se sentava, guardando a grande faca sem corte ao coldre de metal no bolso da calça, o Dominador descia mais um gole do whisky gelado, parecendo ele mesmo um pouco exaurido. Limpava o suor da testa e olhava fixo para a submissa à pilastra, mais especificamente as suas mãos atadas. – E então Marcos, fazia tempo que não os via à festa, não é mesmo? Como andam as bolsas de valores do mundo?

Marcos não respondia de imediato, apenas ria baixo, sabendo que esse momento de distração era possivelmente só mais um jeito do colega para “assustar a baunilha”. – Ora meu bom amigo, lhe garanto que o mundo dos negócios está bem menos interessante que o daqui de dentro. Sua menina andou se comportando tão mal assim, ultimamente? Ou ela está aproveitando isso tanto quanto você? – Todos à mesa agora tinham o mesmo sorriso faceiro, menos uma pessoa. Ela não conseguia tirar os olhos de samantha, que parecia lutar cada vez mais contra o objeto que teimava em deslizar, querendo escapar de seu sexo.

- Não há qualquer mágoa naquelas lágrimas ou decepção em meus olhos hoje, meu bom amigo. É a dor do mérito, não da punição. – Victor olhava para sua menina e sorria ao fitar-lhe as mãos uma vez mais, antes de voltar seus olhos de um azul tão profundo para Lara, que tinha o queixo caído. – Existem dois tipos de dor infligida aos submissos. – Ele falava agora à mulher, como um professor, enquanto ela aos poucos lhe voltava a atenção. – Punições vêm da decepção do Dono com os erros da escrava, trazem uma dor amarga que piora com a angústia da submissa que sabe que errou e é obrigada, o tempo todo, a relembrar sua ofensa. Mas são também uma promessa. O Top pune, deixando bem claro que após aquele martírio não existe mais o erro. É como se o mesmo jamais tivesse ocorrido. – Ele tomava mais um gole do whisky, terminando o copo e olhando fundo naqueles olhos castanhos, piscando para ela e dizendo algo que ela não soube definir se era um pedido ou uma ordem velada. – Peça mais um pra mim, sim? Puro, com gelo.

Mestre V levantava-se em seguida, cumprimentando Dama Negra que se aproximava da mesa, dessa vez sozinha. – Minha linda anfitriã! A que devo a honra de seu olhar, pelo qual alguns submissos desse lugar se matariam? – Tomava-lhe uma mão e beijava-a, educadamente, enquanto a mulher sorria matreira, olhando-o nos olhos.

- E você pergunta, rapaz? Sua cena ainda não deixou esfriar tantos olhos atentos e você mantém a pobre menina ali, amarrada, lutando contra o inevitável. – Ela olhava a escrava à pilastra e voltava-se para ele, agora com um tom mais baixo e sério. – Se eu não soubesse que vocês têm um gesto de segurança, para cenas assim, chamaria a segurança e o mandaria preso, V. – Ela ria agora, e Lara compreendia porque os olhos de Victor fitavam tanto as mãos da escrava. Havia algo que samantha poderia fazer se quisesse parar tudo aquilo. No entanto, decidira resistir, até ali.

- Você não veio até aqui, pisando em meia dúzia de seus pit-bulls, para me ensinar o que eu já sei, boa Dama. Pode falar o que deseja. – V sorria de uma forma que Lara pôde notar que já sabia a resposta, não precisava perguntar. Mas queria ouvir o que quer que fosse... a advogada também imaginava exatamente que pedido a anfitriã faria, aliás. Começava a compreender um pouco mais daqueles rituais e daquele meio.

- É só aprestada, rapidinho, eu prometo. Sua samantha é tão bonitinha, ainda mais indefesa como está. Vou ser cuidadosa, tá? – Aproximava-se dele, em alguns passos um tanto mais sensuais, com aquele brilho que alguns Dominadores pareciam sempre trazer no olhar. – Quero também tirar-lhe a mordaça, viu? Os lábios de sua menina são desperdiçados, naquele troço. Mas não a farei gozar, V. Já percebi que é o que você reservou para si, essa noite. – Naquela aproximação, ela deixava a coxa esquerda roçar a virilha do homem, enquanto sussurrava em seu ouvido. Confirmava aquilo que dizia e sorria, enquanto Victor dava um passo para trás, talvez um pouco desconcertado, mas ainda mantendo o sorriso.

- Está bem, sua súcubo. Pode se divertir um pouco com ela. Mas não abuse demais da sorte, estamos combinados? O clímax dela é meu, como é o seu interior... não quero seus dedos entrando em nada de minha escrava, essa noite. – Ele falava aquilo em um tom austero, até de certa forma ameaçador, como se deixasse claro o risco de retaliações. A mulher apenas fazia que sim com a cabeça, sorrindo como criança que ganhou o doce antes da refeição, começando a caminhar em direção à escrava que lhe fora emprestada, para brincar um pouco. – Ah, sim, Dama. – Victor chamava e ela olhava-o, por cima do ombro. – Tire o bullet de dentro dela, antes que caia. – Os dois sorriam no mesmo tom maquiavélico, mas eram dela os olhos que agora brilhavam mais.

Lara fizera sinal a um garçom que agora se aproximava da mesa e apontava para o rapaz, mostrando-o ao Dominador que agora se sentava. V uma vez mais observava as mãos de samantha, que já notara a aproximação de Dama Negra, antes de voltar-se para o homem de uniforme e em seguida para a mulher que o chamara ali. – Eu não lhe falei? Pensei que havia dito. É mais um whisky puro, com bastante gelo. Ah, e traga logo mais três chopps. – Aqueles olhos azuis fitavam a advogada baunilha e traziam-lhe novos calafrios, daqueles que já vinham se tornando constantes na presença do homem. – Não podia me fazer o favor? Ou tudo que eu lhe pedir você vai achar que estou tentando te dominar? – Ele ria e ela ficava um pouco sem graça, se achando realmente paranóica, por alguns instantes. – Do que eu falava, mesmo?

Paula respondia, sorrindo e tocando a mão da amiga, sobre a mesa, como se para tranqüilizá-la. – Aquele seu papo sobre dois tipos de dor, você estava terminando de explicar as punições, o martírio horrível de ter que lidar com os próprios erros e todo esse dramalhão que as submissas adoram. – Ela brincava com o assunto, tentando quebrar a tensão, e Lara ria um pouco, sem se sentir mais tão idiota mas também não deixando agora seus olhos desvencilharem-se do olhar perspicaz de Victor.

- Ah, sim. – Ele mesmo ria, olhando para Paula e comentando. – Mas falo isso não por experiência própria, veja bem. É algo em comum que ouvi de minhas meninas, então não pode me culpar se todas elas têm esse amor ao drama. – O garçom trazia as bebidas de todos e o Top esperava que ele saísse, para continuar. – A outra dor é um mérito. É quando o Top desconta seu sadismo sobre aquele bottom. Sem duplos sentidos. – Ria. – É merecer aquelas sensações, sabendo que são fruto de um sentimento do Mestre ou da Rainha. São marcas que todo submisso porta com grande orgulho, pois é merecedor daquela atenção. É nesse ponto que muitos gostam de dizer que dor e prazer se mesclam, porque aqueles golpes, toques e amarras são recebidos como um presente. – Olhava na direção de samantha e seus lábios se abriram em um sorriso de certa ternura, incomum à expressão de Victor... a menina também olhava-o de longe, enquanto Dama Negra tirava-lhe delicadamente a mordaça. Sorria, enfim, ao ter os olhos do Dono sobre si. – É uma dor que elas suportam para fazer seus Donos felizes. Quando o nosso olhar orgulhoso é tudo o que importa.

Ele parava de falar, observando a cena que continuava, no centro da sala. Dama Negra se aproximara como uma pantera, pé ante pé, da mulher indefesa. Não a ficou rodeando, como seu Mestre. Ficou um bom tempo parada à sua frente como se admirasse alguma obra de arte. Aproximou-se da jovem, os dedos delicados tirando-lhe os cabelos ruivos da frente do rosto, olhando-a nos olhos enquanto a mão limpava as lágrimas. – Shhhhhh... shhhhh... – Parecia tentar acalmá-la, a outra mão indo tocar a perna direita, sentindo a submissa tremer, tentando lutar contra o brinquedo que seu Dono havia colocado dentro dela.

O toque da Dominadora deslizava pelo rosto da menina, limpando-lhe a saliva que escorria dos lábios, indo sentir a presilha de couro da mordaça, à nuca da escrava, soltando-a gentilmente. Tirava a grande bola de borracha oca e cheia de grandes furos, da boca de samantha. Foi nesse ponto que a bottom olhou na direção do Mestre e abriu um sorriso, em meio àquela expressão tão dolorida e cansada. Mas um calafrio lhe correu a espinha ao ouvir um sussurro da mulher que agora tocava seu rosto enquanto a outra mão deslizava até a parte interna de suas coxas. – Prometi a seu Dono que não lhe deixaria gozar, então seja uma boa menina. Ou ele ficará muito decepcionado, com nós duas.

Lara observava toda aquela dança de longe. Era bem diferente de tudo o que vira até então, Dama Negra tinha uma sutileza em seus movimentos que nem V nem Lorde Avatar tinham demonstrado. Aqueles dedos finos e delicados, pareciam eletrificar a pele da submissa, que reagia a cada toque de forma intensa. A mulher mantinha-se próxima, deixando-se sentir, enquanto percorria o fio do bullet com a mão, subindo lentamente e começando a sentir onde o sexo ansioso da menina já deixara-o melado. O rosto, próximo ao dela, falava algo em voz baixa, inaudível tão de longe, e a Dominadora deixava a língua sentir os lábios trêmulos da menina, como se saboreasse a presa inerte.

Ouvia a escrava gemer, intensamente... todos com certeza ouviam-na, agora, em meio à respiração entrecortada, arfando e buscando mais ar. Dama Negra tocava-a, melando seus dedos na menina, abrindo-a para seus caprichos, enquanto dois dedos começavam a puxar o fio, bem lentamente. – Não se preocupe, pequena... seu Dono pediu-me que tirasse isso de você. – O que poucos notavam, no entanto, era o pé direito da Top, que saíra da sandália e agora mexia, com o dedão, na chave de intensidade do vibrador, no controle sobre o chão. Se contorcendo contra as amarras, samantha lutava contra seu próprio corpo, sentindo cada milímetro que o brinquedo deslizava, dentro de si, vibrando mais forte. A Rainha puxava bem lentamente, o fio, deliciando-se com aqueles gemidos e aquele olhar que a menina fazia, quando queria implorar algo... a escrava olhava em seguida para o próprio Dono e via seu tom severo. Ele tinha certeza que ela estava à beira do clímax e sua expressão deixava claro que ela não podia se render agora.

De longe, Victor olhava as duas e seu rosto tomava um tom sério, franzindo um pouco o cenho. – Eu devia ter-lhe dado mais limites... – Ria para si mesmo, baixo, tomando um gole do whisky e olhando para Lara, que fitava as duas à pilastra. – Mas precisamos admitir que a mulher sabe fazer uma cena, também. – Paula olhava-o, sorrindo, enquanto Marcos mantinha os olhos presos à pobre samantha.

As poucas conversas que haviam voltado a acontecer, pela festa, cessavam novamente, uma a uma, todos voltando a observar o centro do local com mais atenção, graças aos gemidos da escrava... a outra mão de Dama Negra aproximava-se daqueles seios e ela buscava a aprovação de V, com o olhar, que apenas sorria e meneava a cabeça, afirmativamente. Os dedos da mulher começando a tirar, delicadamente, aquelas pequenas agulhas da pele da submissa, que respirava fundo a cada uma delas, tentando controlar melhor seu corpo... sentindo ainda aquela mão ao seu sexo, provocando-a enquanto deslizava o bullet, já na potência máxima, cada vez mais lentamente. Os lábios desciam pelo pescoço, indo tocar seus seios, limpando aqueles pequenos pontos que queriam começar a sangrar, novamente, e os poucos filetes que já estavam lá, de antes.

Victor levantou-se, ao perceber o olhar desesperado da submissa voltando-se para o seu... era demais, ele entendia. E, no entanto, olhava para as mãos da escrava e não via ali o gesto de segurança combinado entre os dois. Aproximava-se por trás da Dominadora, que sequer o notou até que sua mão tocou a dela, fazendo-a fechar os dedos sobre o fio e puxar o brinquedo, enfim, para fora da submissa. Um suspiro forte, lascivo, deixava os lábios da mulher presa, em um alívio incontido, enquanto o homem sussurrava ao ouvido da Top inconformada. – Eu não lhe disse que podia usar dois dos meus brinquedos. Apenas um. – Ele abaixava-se e pegava o controle do chão, desligando-o e mostrando-o a Dama Negra, que apenas sorria com aquele jeito de criança pega em alguma traquinagem. – Agora quero minha menina de volta, está bem? – Ele lambia os dedos da mão que tocara a dela, melada, enquanto a Rainha, aparentemente satisfeita em sua malícia, afastava-se na direção de seus pit-bulls, que agora por muito pouco não salivavam, ao vê-la naquela cena.

- O-obrigada, meu Senhor... – A voz de samantha soava, gentil e fraca, após tanto tempo sem pronunciar uma palavra sequer. Apenas V podia ouvi-la, mas Lara conseguiu entender o movimento dos lábios. Talvez porque ela mesma se sentisse aliviada que ele fora até lá acudi-la. O homem demorava-se, olhando nos olhos da submissa que sorria de um modo tão fraco, enquanto a respiração tentava retomar o controle. Mas perdia-a subitamente, em um beijo do Dono aos lábios, tão intenso quanto o toque dos dedos que agora abriam suas pernas, indo tocar-lhe o sexo de um modo a ela bem mais familiar que o de Dama Negra. Não que não gostasse, mas era muito diferente de seu Senhor. E eram os dedos dele que a escrava de cabelos vermelhos desejava tão intensamente ao ponto de fechar os olhos e soltar o corpo, ficando ali de pé apenas graças às amarras. Gemia alto, agora, porque sabia que era como mais o agradaria. Ele a abria, em frente a todos os observadores, deixando-se serpentear por entre aqueles lábios úmidos, sujando-lhe os dedos.

- Aaaaahhhh... obrigada, meu amo. Meu Mestre. – Respirava fundo, ao que quase deixava-se levar, mas lembrava que não tinha a permissão para tal. Segurava a respiração, tentando conter seu corpo, em meio àquele toque tão desejado. – Obr-obrigada, Senhor... por vir tocar esse corpo... indigno. Por cultivar o meu pr-prazer... por fazer-me tua. – Ele deixava a presença avolumar-se ao corpo dela, enquanto os dedos deslizavam, melando toda a mão naquela ansiedade da escrava. Dedos que por vezes deslizavam para dentro dela, outras sobre seu clitóris, pressionando-o entre eles. – M-Mestre... p-p-por favor... – Segurar a respiração já não adiantava mais. Nem conseguia respirar fundo para buscar mais forças. A menina ofegava, esquecendo toda a dor, presa à angústia de aguardar pela permissão de seu Dono. Precisava daquele gozo. Não podia mais. Achava que perderia os sentidos, ali mesmo.

- Goze, samantha... – Sentia todo o corpo tomado em espasmos de prazer, quando finalmente ouvia aquelas palavras. Mestre V sorria enquanto aqueles olhos cheios d’água se abriam para tentar olhá-lo, mas ela os fechava novamente, sentindo-se tonta em meio às ondas que percorriam seu corpo. As nádegas doíam contra a pilastra, mas seu Senhor soltava gentilmente o grampo do mamilo esquerdo, tocando-o e fazendo-a sentir o prazer intenso, dolorido do sangue correndo de volta a ele. Fazia o mesmo com o direito e ela gritava de dor e prazer ainda sentindo aqueles dedos dentro de si e sobre seu sexo, serpenteando e fazendo-a amolecer. Molhava aquela mão em meio ao orgasmo tão intenso. Victor soltava as amarras, agora, puxando algumas pontas soltas das cordas e desfazendo as voltas que prendiam o tronco da menina.

Lara observava a tudo, envolta em emoções mistas, confusas. Aquela expressão de prazer tão intenso, mesmo após todas as torturas, lhe era quase incompreensível. A escrava deslizava da pilastra pela mão de seu Dono, caindo de joelhos à frente dele sem forças. Agarrava-se àquele punho com uma urgência repentina, começando a lamber seus próprios fluidos dos dedos de Victor, mostrando que era sua obrigação limpá-lo. Cumpria-a, agradecida.

O Mestre observava, sorria e parecia não ter olhos para mais ninguém, naquela festa. Mas não samantha. Em meio àquele sorriso de satisfação, ao lamber e sugar dos dedos do Dominador, fitava os olhos de Lara, pelo canto dos seus, antes de voltar-se para Victor e ganhar mais um beijo, do Senhor que se inclinava na direção dela. A advogada tremeu nas bases, com aquele olhar. Sentia-se quase tão acuada quanto sob os azuis dele. Era um desafio claro: “Você não faria melhor.”

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Capítulo 2

Depois de sentarem-se à mesa com Marcos e Paula foi como se todos aqueles olhares e trejeitos de Mestre V tivessem mudado de tom. Conversavam ele, a submissa, samantha, o casal e Lara, amigavelmente e a ameaça daqueles olhos de um azul forte parecia ter se apagado. Ainda era envolvente, ainda era intenso, mas da mesma maneira que tantos homens interessantes que ela já conhecera no passado.

Não conseguia deixar de notar, no entanto, os modos da escrava à mesa. Ajoelhada sobre um almofadão ao lado do Dono, parecia ter sempre parte de si tocando-o. Uma mão sobre o braço ou o rosto à perna dele, o ombro recostado ao seu flanco ou à coxa, quando eventualmente falava mais empolgadamente, se aproximando. Olhava pouco para o rosto dele e cada vez q o fazia era com um sorriso que mesclava malícia e submissão. Tinha os olhos inflamados de desejo, sempre que algo parecia lembrar-lhe momentos com seu Mestre. Aparentemente, poucos assuntos não o faziam.

- Mas então, Victor, não veremos uma cena sua à cruz esta noite? Você sabe que Dama Negra sempre conta com você para agitar um pouco mais as coisas, por aqui. – Marcos sorria fazendo aquela sugestão e Paula apenas ria, olhando para samantha com um sorriso um tanto ambíguo aos lábios.

- Você tem algum problema com nomes, meu caro amigo, já lhe disse que isso ainda pode se tornar problemático. – Mestre V olhava de soslaio para Lara e ela percebia que não deveria ainda saber o seu nome, que o amigo dera de bandeja. Pensava nisso e sorria faceira, para aqueles olhos azuis, agora ela mesma em certo tom de vitória. – Mas quanto à pergunta, esta noite não pretendia fazer nada. No entanto, acho que seria um bocado decepcionante para a sua convidada, não ver algo mais interessante. Que me dizem? – Todos agora olhavam-na e a advogada corava sob seus sorrisos . Não esperava aquela menção repentina, muito menos a mudança no tom da conversa. O único olhar que parecia não provocá-la era o de samantha... ela olhava-a mas não a via. Uma mão pousada sobre o colo do Dono e um ar de submissão profunda. Era como se nada mais visse, sua mente mergulhava nas possibilidades do que poderia estar para acontecer.

- M-mas claro que não, deixe de bobagem... estou adorando a festa com tudo o que já vi. – Lara olhava para a cruz com um sorriso um tanto nervoso, mas realmente nada lhe chamara tanto a atenção quanto a cena de Lorde Avatar, mais cedo. Forçava-se a não pensar demais a respeito. – Não precisa se preocupar comigo, Victor... – Aqueles olhos azuis a intimidavam, agora... ele obviamente não gostava de ser chamado pelo nome e ela percebeu que era uma péssima hora para essa provocação.

Olhava para a escrava aos pés de V e percebia os dedos dele indo tocar a coleira da submissa... era bem diferente de todas que tinha visto, até agora. Uma gargantilha dourada, de elos ovais e delicados, com um pingente de prata - talvez ouro branco, era polido demais para prata, que à primeira vista pareceria um brasão atravessado por uma adaga... mas a impressão da lâmina era na verdade um grande V, vazando a área de um círculo prateado com um símbolo estranho, de desenho delicado, sob os traços fortes da letra. Este assemelhava-se a um Ying-Yang, mas divido em três partes, não duas. Jamais vira algo parecido mas era muito belo e discreto. Os dedos do Dominador percorriam aqueles elos, tocando a pele da bottom em uma carícia suave, fazendo-a fechar os olhos e deixar a cabeça pender um pouco de lado.

Lara olhava samantha demoradamente, agora. Era uma mulher de feições delicadas e pele alva, não parecia ter chegado aos 30, ainda. Os ruivos cabelos bem longos, ondulados, muito bem cuidados. Os olhos grandes, um castanho quase dourado, de tão claros. O nariz delicado, bonito, as maçãs do rosto curvilíneas e suaves, os lábios pareciam saídos de uma boneca de cerâmica, bem vermelhos, pelo batom. Algo naquele rosto parecia-lhe europeu, era uma mulher de porte pequeno, não parecia que de pé mediria acima de 1,60m. Usava um vestido longo sem alças, vinho, deixando transparecer no decote as curvas dos seios, pequenos, firmes e empinados pelo que só poderia ser um espartilho, sob a roupa. A saia, comprida, e a cor davam-lhe todo um tom arcaico, mas muito belo.

Os dedos de V deslizavam pelos elos daquela coleira tão delicada, indo até a nuca e o olhar do homem à mesa mudava. Aquele azul escuro ganhava um brilho de ameaça, um ar de predador que agora Lara reconhecia, enquanto a mão se fechava nos cabelos da submissa e puxava-os para trás, com força... a expressão de dor no rosto da escrava era breve, seguida de um suspiro incontido, prazeroso, fechando os olhos para evitar a afronta de encontrar os do Dono sem permissão. A voz do Top saía em um tom grave, que toda a mesa ouvia claramente, um comando ríspido. – Vá à portaria pegar minhas coisas, serva. Abra a bolsa, lá mesmo, traga o açoite na boca e os mamilos pregados. O resto você vai deixar como está, a bolsa aberta sobre a minha cadeira, ouviu bem? – A menina tentava fazer que “sim” com a cabeça, mas ele não deixava, puxando-lhe os cabelos com mais força e reforçando a pergunta. – ENTENDEU, vadia?

- S-sim Senhor, meu Mestre. Obrigada por querer usar essa sua escrava indigna hoje, meu Amo. – Aquela voz saía fraca como se com medo de falar alto demais, incerta. Lara sentia um arrepio com toda aquela cena, mas disfarçava com mais um gole do chopp, sem conseguir desviar o olhar dos dois. Percebia como o peito da submissa se movia mais rápido, arfando com cada nova ordem. Por vezes, a advogada buscava os olhos de Mestre V e ele reagia como se já soubesse de antemão, imediatamente olhando-a de volta em um tom de clara ameaça. – Devo deixar os grampos à mostra, nos mamilos, Mestre? Devo trocar de coleira?

A mão do Dominador soltava aqueles cabelos e samantha apressava-se em deixar os olhos se abrirem, buscando o chão, apoiando-se à cadeira do Dono para começar a se levantar, delicadamente. Ele a olhava, de cima, com um sorriso malicioso e um olhar intenso. – Não vai precisar da coleira, essa noite. Eu só trouxe os grampos com a corrente, dessa vez, e são eles que você voltará usando. – Aquelas palavras causavam calafrios visíveis, à menina que apenas murmurava um “Sim, Senhor”, quase inaudível, antes de pedir licença às outras três pessoas à mesa e caminhar em passos apressados na direção da portaria. Mestre V permanecia em silêncio, agora, demorando-se em um gole do copo de uísque. Lara via nele os traços de um homem metódico, mas não frio. Pelo contrário, havia uma intensidade em seus gestos que por vezes beirava certo ar de impulsividade . Naquele momento, entretanto, ele parecia planejar... e o que começou a preocupar Lara foram os momentos em que fitava especificamente os olhos dela, ainda perdido em pensamentos. Ela não percebia que cruzava um braço por cima do torso, em um gesto defensivo, enquanto voltava-se para Paula, falando baixo.

- Eu me sinto um pouco... sem jeito. Ele não precisava fazer isso... seja lá o que for... só porque eu estou aqui, hoje. Já estou gostando muito da festa, é bem legal e...

Marcos e Paula riam, com o acanhamento da amiga, e o amigo explicava, sem qualquer cerimônia. – Ah, mas ele já o faria, estando você aqui ou não. Isso tudo é só desculpa. Mestre V jamais precisou de motivos externos para querer maltratar a pobre samantha. – Victor olhava-o enquanto pousava o copo à mesa e ria em deboche, ao ouvir o comentário do amigo a seu respeito. – E não é como se ela própria não fosse gostar, Lara... você verá o rosto dela e vai entender bem do que estou falando.

Mestre V levantava-se e mais uma vez a conversa nas mesas ia diminuindo, aos poucos, enquanto sua escrava cruzava a pista de dança com uma grande bolsa negra nas mãos. Trazia, seguro pelos dentes, um açoite de couro, de empunhadura grossa, que mal lhe cabia à boca, que terminava em muitas tiras de um marrom bem escuro. Os seios agora vinham à mostra, desfilando à frente daquele corpo, a parte da frente do vestido um pouco enrolada por cima do topo da barriga, o espartilho negro, com detalhes em renda, deixando-se notar sob a roupa. Os mamilos estavam em riste, presos por grampos de pressão, metálicos, de aparência nada amigável, esses unidos por uma corrente que em nada lembrava a delicadeza da gargantilha que a submissa usava. Os olhos da bottom voltados para o chão, enquanto passava ao lado do Dono para deixar a bolsa sobre a cadeira.

Virava-se de frente para ele e Lara pensava no quanto os grampos deveriam doer, esmagando-lhe os mamilos daquela maneira. ­­– Boa menina... – Victor falava, áspero, e segurava a corrente que os unia, fazendo a bottom segurar a respiração. Puxava-a atrás de si, sem qualquer delicadeza, caminhando em direção à cruz. A escrava abafava um grito de dor, no açoite, mordendo-o mais forte, sentindo a dor lancinante, ao ser puxada pelos seios, enquanto os pés se apressavam em seguir os passos mais largos, do Mestre. Ele por vezes, em meio ao trajeto, dava um novo puxão repentino, arrancando mais gritos abafados, da submissa.

Chegavam ao centro do salão e quase todos já olhavam na direção dos dois, apenas poucas mesas continuando alguma conversa mais animada. O DJ já escolhera uma canção mais apropriada, começando a tocar “Trust Me”, do Dee Joy, enquanto V agarrava novamente aqueles cabelos ruivos e, com apenas um olhar firme, fazia-a ajoelhar-se e voltar a fitar o chão. A menina tirava o açoite da boca, deixando as mãos deslizarem sobre a empunhadura, em movimentos demorados, sensuais, parecendo simular naquele objeto o sexo de seu Dono, mas apenas para limpar dali sua própria saliva. Ofertava o instrumento, sobre as duas mãos, estendendo os braços para cima, na direção de seu Senhor, e inclinando a cabeça para baixo, por entre eles, em um gesto de total subserviência. Lara agora não conseguia conter o fascínio com a beleza daquela cena. Observava, atenta, a todo aquele ritual envolvente. Percebia em cada movimento de samantha a demonstração de um amor profundo, incondicional, por aquele que estava prestes a trazer-lhe tamanha dor e humilhação, na frente de todas aquelas pessoas.

Mestre V pegava o açoite das mãos da submissa, sorrindo enquanto as mãos dela abaixavam-se, indo até o chão. Por um momento, a menina ficava de quatro, na frente dele, mas então continuava o movimento, abaixando até apoiar os ombros no chão frio, repousando o rosto de lado, sobre ele, as pernas erguendo os quadris o mais alto que podia, as mãos deslizando pela lateral do corpo, indo levantar a saia até a cintura, expondo as pernas e as nádegas, nuas... de onde estava, Lara conseguia ver pouco do corpo da menina, mas de alguma forma tinha a certeza de que seu sexo também estava à mostra, para as pessoas de algumas das mesas. O Top a rodeava, acariciando as tiras do açoite com um toque mais gentil que o que dispensara aos cabelos da submissa, estes agora esparramados pelo chão, formando um tapete de cobre, delicado.

- Meu Senhor... presenteia-me com a dor do teu sadismo. Meu Mestre, por favor. Satisfaz todas as tuas vontades obscuras e insanas nesse corpo que lhe pertence. Perdoa o meu pecado de te querer, por que sou indigna. Pune esse corpo, pelo atrevimento de estar melado, pensando em ti. Faz de mim o que quiser, meu Dono, mas não me deixe... eu te imploro. Preciso de sua dor... me pune... me perdoa... – A voz de samantha saía melodiosa, mas forte. Queria que todos ali a ouvissem, se declarava a seu Amo e queria deixá-lo orgulhoso. Os primeiros golpes do açoite pareceram tão bem vindos, na expressão daquela mulher, que Lara por um momento pensou se não era mero teatro... mas o estalar de cada investida era alto, mais forte que o da anterior, e a velocidade com que aquelas tiras de couro cortavam o ar era algo impressionante. Logo, a menina não mais suspirava no alívio de ter suas súplicas atendidas, mas começava a gritar de dor... lágrimas brotando dos olhos, as mãos aos lados do rosto, sobre o chão. Todo o corpo reagindo em espasmos, com cada novo golpe. Aquele homem repousava sobre ela um olhar que trazia todo o peso do mundo e não mais sorria. Tinha o cenho franzido, enquanto erguia a mão direita para cada novo estalar do açoite... as nádegas da submissa quase pulsando, vermelhas, cheias de lanhos , riscos vermelhos desenhados sobre a pele.

- Obrigada. Ahn! Obrigada, Mestre! Ahn! Por tentar me tornar... ahn! Digna de sua atenção. Ahn! Meu Senhor... – Cada nova açoitada trazendo um gemido de dor, cada vez mais alto. Victor olhava-a e ela agora deslizava o rosto pelo chão, virando a cabeça para buscar o olhar de aprovação do Dono, por entre os cabelos de fogo... lágrimas molhavam a pista, mas ainda assim ela sorria, ao encontrar a imensidão azul daqueles olhos celestes. Sabia que aquela cena mal havia começado... mas nada temia, no olhar daquele que a dominava. As tiras de couro agora deslizando por sobre as nádegas, demoradamente, antes do golpe seguinte. Sentia ainda a dor dos seios, os mamilos presos roçavam sobre o chão, a cada espasmo de dor mais intenso.

- Levante-se, vadia submissa. – A voz dele ecoava pelo local e voltava ainda mais forte, fazendo todo o corpo da bottom responder. Apoiava-se novamente sobre as mãos, ficando de quatro para se levantar, o Dono logo indo agarrar-lhe os cabelos, puxando-os para cima, como se impaciente com a demora, que se dava por conta da dor às nádegas vermelhas, inchadas. Ele sussurrava algo, demorando-se ao ouvido de samantha, cujo rosto logo demonstrava um misto de medo e ansiedade, antes que ela caminhasse rapidamente até a bolsa preta, bem à frente de Lara. Abria-a e por um segundo olhava para a baunilha, não conseguindo conter um sorriso malicioso de satisfação, em ver que a mulher parecia se interessar mais, por tudo aquilo, como seu Mestre queria. Tirava da bolsa um par de algemas tipo pulseiras de couro negro, com argolas de metal bem grossas, vestindo-as apressadamente, com um brilho no olhar. Em seguida alcançava algumas velas, três delas, e o que parecia ser apenas uma grande corda, negra, com detalhes em branco. Lara, tão perto, arregalava os olhos, fazendo a escrava rir baixinho, enquanto tirava, por último, uma grande faca prateada, de cabo e coldre ornamentados, como se cada detalhe em protuberância fosse um chifre, sobre a empunhadura. A cada objeto que tirava, era como se quisesse provocar novos olhares de espanto. Divertia-se com as reações da outra.

- Eu disse RÁPIDO! – Sem que a serva percebesse, Mestre V se aproximara por trás e agora agarrava-lhe os cabelos de uma forma bem mais violenta que antes, puxando-os como se não tivesse medo de acabar arrastando a bottom atrás de si. O olhar da menina agora transmitia dor e um ar de desespero... olhava nos olhos de Lara, afastando-se... não podia ter demorado. E a noite mal começara, para samantha.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Capítulo 1

A jovem olhava-a nos olhos pelo espelho e sorria. A maquiagem borrada, os olhos ainda marejados. Surpreendera-a com aquela aparência, mas principalmente porque Lara estava ainda apreensiva com tudo. A submissa ajeitava a coleira ao pescoço, a plaquinha de metal reluzindo à baixa luz daquele banheiro, enquanto ela tocava-a com um orgulho quase tolo, sorrindo. Vendo-a ali, não fosse a maquiagem manchando-lhe o rosto seria impossível adivinhar o que acabara de acontecer à cruz. Trazia uma pequena bolsa na mão direita e fitava aquele olhar atônito no espelho como se esperando por algo.

- Ah! Desculpe... – Lara se dava conta que estava ocupando a única pia e dava um passo para o lado, abrindo caminho.

- Nada, que isso... ainda preciso recuperar o fôlego. – A escrava sorria de um jeito matreiro deixando a bolsa sobre a pia, indo lavar o rosto e tirar toda a maquiagem, antes de começar a pegar tudo o que precisava para recompô-la sobre a face. Trazia ainda pedaços de cera derretida colados à pele das costas da mão e dos braços, mas apenas passava a mão sobre eles junto com a água vendo que boa parte caía e ficava na pia. Parecia notar o olhar da outra sobre si e ria baixinho. – Nunca a vi pelas festas e sua cara já entrega tudo... você não conhece muito daqui, não é? – Lara fitava os pedaços de cera sobre a bancada de pedra. – Isso? Milorde adora fazer de minhas mãos castiçais para sentar-se com os amigos e conversar. Por isso ele está sempre na mesa do canto, onde tem pouca luz.

A submissa ria vendo o queixo da mulher à sua frente cair, os olhos arregalando-se e encontrando os dela. Divertia-se sempre que esses detalhes espantavam algum baunilha despreparado. – Muito prazer, pode me chamar de siamesa... – Piscava um olho e voltava-se para o espelho do banheiro, olhando-se demoradamente... os dedos tocando o rosto como se buscando sentir novamente um tapa que seu Dono lhe dispensara mais cedo. Desenhava os toques dele fechando os olhos por um breve instante. Respirava fundo, sentindo a pele do corpo reclamar um pouco dos maus-tratos à cruz enquanto a outra mão deslizava da cintura até as nádegas. Sentia-as bem quentes, ainda, sabia que estavam vermelhas... soltava um suspiro ao deslizar os dedos pela coxa grossa, aproximando-se de onde mais desejava que seu Dono a tocasse. – Sabe... – siamesa tinha um tom sereno, na voz – A dor em si importa tão pouco ante seu significado... você não conhece e por isso se assusta. Mas é uma dádiva. É esse direito de merecer o toque, que você vai conquistando. – O olhar ganhava um brilho que parecia avisar a Lara que não havia por que ter pena dela. – É uma prova de amor que poucos sabem e podem dar, realmente...

Pensativa, a mulher respondia um pouco sem graça. – Muito prazer... me chamo Lara e lamento se... – Ela sentia-se acanhada, com tudo o que pensara, vendo nos olhos daquela mulher tamanha devoção àqueles sentimentos. Mas era interrompida pela porta que se abria de modo apressado, quase atingindo as duas, na afobação da submissa mais jovem que entrava no banheiro e olhava para siamesa.

- Lorde pediu pra vir te ajudar... quer ter certeza que você saia daqui apresentável. – Era uma menina que parecia ter lá seus 20 e poucos anos, de cabelos loiros, não muito compridos, olhos de um mel quase dourado e pele um pouco queimada de sol. Os lábios eram delicados e tinha todo um jeito frágil, que se mesclava a uma preocupação que parecia beirar paranóia. Devia ter muito medo de não agradar quem quer que fosse, não apenas seu Dono, pensou Lara.

- Tá bom. – siamesa falava à menina de forma áspera, bem diferente do tom de voz anterior à interrupção – Mas poderia ter mais cuidado? Entrando desse jeito, quase acertou a gente, persa, credo... – O olhar dela mudava um bocado... um brilho impositivo, parecia corresponder à submissão no olhar da outra, que agora não ousava fitar a companheira e buscava o chão, acuada. – É isso que nunca vai te tirar dessa coleira de treinamento, sabia? Você é muito estabanada, se apressa demais pra fazer qualquer coisa que lhe ordenam e se esquece de fazer bem e fazer direito. – Lara espantava-se com a pessoa que agora falava, no banheiro. Com certeza não condizia com aquela mulher algemada à cruz. Com o rosto limpo, a postura ereta, o olhar severo e a voz tão forte, dirigia-se à outra como se prestes a castigá-la.

- Mas... eu... você sabe que eu só quero agradar o Mestre... – persa deixava as mãos às costas, de cabeça baixa, parecendo uma criança levando bronca dos pais. – Desculpa... – Respirava fundo, como se prestes a chorar, mas então voltava a olhar para siamesa e sorria. – Você estava linda, lá no meio, sabia? Milorde deve ter ficado tão orgulhoso de você... – Aproximava-se, procurando algo no estojo de maquiagem aberto sobre a pia. Lara notava que ela também tinha pedaços de cera derretida endurecidos na pele das mãos e dos braços.

- Sinceramente...– siamesa suspirava e apontava para a mulher que já estava no banheiro com ela, antes de persa entrar – Você sabe que deve se apresentar a todos, não? Milorde não vai passar por mal-educado só porque você não dá o valor que deveria à coleira. – Respirava fundo, aborrecida, e olhava para a mulher. – Lara, essa é persa... terá que perdoá-la pelos seus modos, mas até há três meses atrás, ela sabia menos ainda do que você, sobre tudo isso. A falta de educação, no entanto, essa eu já acredito que seja de berço. Está sendo adestrada para merecer uma dessas. – Tocava orgulhosamente as iniciais do Dono, à coleira, enquanto persa repetia o gesto, tocando sua própria coleira, de couro negro, bem menos delicada que a outra, com grossas argolas de metal nas laterais e na frente. Tinha um ar triste ao rosto, olhando o adorno da outra submissa, sentindo uma pontada de inveja.

- Muito prazer... me chamo persa, sou uma vadia submissa e meu corpo pertence a meu Mestre, Lorde Avatar. – Falava aquilo com um jeito mecânico, era uma apresentação decorada... as pontas dos dedos ainda deslizavam pela coleira, sentindo-a ao pescoço. O olhar vago mostrando que aquela menina não estava ali, que a mente se perdia em uma tristeza profunda.

- Como você pode ver, persa ainda tem muito a trilhar... – siamesa aproximava-se lentamente da irmã de coleira, agora sorrindo, indo tocar-lhe o rosto com um olhar muito similar ao que seu Dono tinha, quando começou a acariciar seus cabelos, aos pés da cruz. – Ela ainda se deixa afetar demais, falta-lhe confiança. – A voz se tornava até mesmo mais acolhedora. – Ela ainda não compreende que não importam os erros, mas o esforço em superá-los. Milorde a pôs sob minha tutela, por isso eu preciso ser firme com ela. Com o tempo, se tornará digna das iniciais, algo que me custou muitas lágrimas, mas valeu a pena cada uma delas. – Deslizava as unhas em direção à nuca da outra, sentindo-lhe e causando calafrios visíveis, fechando os dedos e agarrando persa pelos cabelos... seu olhar agora era como um reflexo do Dono, o sorriso trazia um tom de sadismo – Ela é tão vadia que fará tudo o que eu pedir, esperando que fale bem dela para nosso Senhor. Quer poder se dizer digna dele, a todo custo. – Olhava de soslaio para Lara, puxando os cabelos da menina, com força, a cabeça pendendo para trás. – Chuparia você, uma completa estranha, se eu ordenasse nesse exato momento. Na verdade, adoraria a ordem... ela é uma puta, se excita em ser usada. Não é, bichano?

- Eu faria como ordenasse, minha tutora. – A jovem sentia o couro cabeludo reclamando os dedos da irmã e fechava os olhos, respirando fundo... odiava o quanto siamesa e seu Dono estavam sempre certos sobre ela. Odiava sentir seu corpo reagir tão bem àqueles maus-tratos. Sentia-se entregue àquela cuja coleira invejava tanto. Por vezes, imaginava como seria se fosse ela a principal. Olhava naqueles olhos que agora lhe pareciam tão ameaçadores quanto os de seu Lorde. Aqueles olhos que adoravam provocá-la, cada vez que seu Dono a amarrava tão perto da cama, amordaçando-a e obrigando-a a assisti-lo fazer sexo com sua primeira escrava. Mas tudo aquilo a excitava tanto... era uma dança perversa, a três, que cada vez mais a envolvia.

Se Lara se mostrava atônita antes de tudo aquilo, agora assemelhava-se a um rato acuado, frente àquelas duas felinas. Seus apelidos não eram à toa, aliás. Via-as e cada movimento delas era realmente como os de um gato. Seu Dono as adestrara a tal ponto... não. Ela se recusava a acreditar que aquilo fosse capaz de chegar tão longe, a ponto de moldar-lhes os modos. Era apenas mais uma brincadeira, mais um fetiche dele e delas, se satisfazendo ali. Tinha certeza disso. Mas se assustava com tudo. Especialmente com a proposta de siamesa. Havia algo extremamente sensual, na troca de olhares daquelas duas... olhares que por vezes alcançavam os dela e lhe causavam arrepios. Algo completamente diferente do homem de olhos azuis, no entanto. Lara já havia tido suas experiências com outras mulheres, mas apenas beijos, praticamente uma brincadeira juvenil. Não se via aceitando aquela proposta tão repentina. Precisava admitir, no entanto, que toda aquela dança que presenciava era instigante.

- Eu agradeço a oferta, mas... – Segurava o batente da porta, como se querendo atravessar a parede. As duas submissas agora olhavam-na em meio a risinhos incontidos e sorrisos lascivos. A tutora trazia os lábios da aprendiz ao pescoço e suspirava, com um beijo intenso, de devoção. Havia algo de tão estranho, nas duas. Ficava claro o ciúmes que siamesa sentia por seu Dono adestrar mais uma escrava e a inveja de persa pela coleira da outra... mas ali, havia uma proximidade intensa. Encorajavam-se a enfrentar os caprichos daquele homem que as submetia às suas vontades. A beleza daquela entrega tornando-se um pouco mais clara, para a advogada curiosa. O ar naquele banheiro tornando-se impregnado por uma tensão sexual quase palpável. – Eu não gosto de... é a primeira vez que venho a uma festa dessas. Desculpem, tá? Foi um imenso prazer, conhecê-las. – Falava nervosa, uma mão alcançando a maçaneta, ao ver que as duas ainda a olhavam, enquanto iniciavam uma dança, entre si... persa ajoelhando-se à frente de siamesa, sorrindo, enquanto esta apenas lhe dirigia um olhar de desafio. – Só porque não imagina o que está perdendo, Lara. E o prazer foi... e será todo nosso.

A porta se fechava e ela sentia como se tivesse prendido a respiração, pelos últimos minutos... o rosto corado, a testa suada, os olhos ainda se esforçando em assimilar tudo o que presenciara ali dentro. Mas a pele estava arrepiada... tivera que lutar contra parte de si, para alcançar a maçaneta. O susto com tudo havia apenas sido maior que aquela estranha excitação. Se recompunha, percebendo que ir ao banheiro acabou lhe ajudando muito pouco, a se acalmar. Caminhava pelo salão tentando novamente deixar seu olhar resoluto, confiante, como estava quando tudo o que via ali parecia apenas diversão. Caminhava em direção à mesa onde ainda estavam Marcos e Paula, quando um garçom mais distraído cruzou-lhe o caminho e Lara tropeçou nos saltos, tombando à frente, desajeitada, buscando qualquer apoio, com as mãos. Sentia alguém pegar-lhe a cintura, pelo lado, e ela segurava naqueles pulsos com firmeza, para retomar o equilíbrio. Voltava-se para o homem, que agora a soltava e buscava-lhe o olhar. Mergulhou naqueles azuis intensos, fixos nela... mal percebia o sorriso do homem, que certamente lhe gelaria ainda mais a espinha.

- Tome cuidado, sim? Os garçons tendem a se distrair demais, quando alguém está à cruz. Nem parece que a cada três semanas isso tudo aqui se repete. – O homem tinha uma voz aveludada, grave, e olhava-a de frente, rindo. Era um tanto mais alto que ela, e só agora Lara se lembrava de soltar-lhe os pulsos. Ele sorria com o canto dos lábios, apenas. – Você é de fora do Rio? Marcos e Paula possuem muitos amigos de São Paulo, se não me engano. Já conhecia a noite sadomasô carioca? – Ela espantava-se que justo ele fosse o primeiro ali a não notar de cara que ela não sabia nada do assunto, mas recompunha-se melhor e agora sorria, como se confrontando toda a ameaça que sentira naquele homem, até o momento. – Ah, sim, me chamam Mestre V. É um prazer conhecer mais que seus olhos. –Sorrindo, assertivo, estendia uma mão para a mulher.

Via-o melhor, agora que se sentia mais segura. Parecia mais jovem, de perto, e seus olhos daquele azul tão forte decoravam um rosto esguio, uma pele branca, mas com jeito de que andava vendo algum sol, de vez em quando. Os cabelos eram negros, curtos, cheios, caindo-lhe à altura das orelhas. Os lábios eram discretos, com sorrisos que só transpareciam no resto da expressão. Já notara as mãos firmes, quando impedia que ela caísse, e seus dedos lembravam-se dos pulsos dele, enquanto ela encontrava a mão estendida dele, deixando-se tocá-la e ganhar um beijo galante. Os olhos, no entanto, observaram-na durante todo o trajeto, ganhando um tom mais ameaçador quando a via por cima da própria mão. O toque daqueles lábios era gentil. Deslizavam pelas costas da mão, fazendo-se sentir em um movimento demorado.

- Lara... e o prazer é todo meu. – Ela olhava na direção de Marcos e Paula e via uma mulher ajoelhada ao lado deles, sobre uma almofada. Conversava com os dois, animadamente, enquanto pousava sobre a mesa um copo de uísque com bastante gelo, em seguida puxando uma nova cadeira mais para perto, ajeitando-a e passando as mãos sobre ela, como se pudesse tornar a madeira mais confortável.

- Ah, aquela é minha menina, samantha. Vamos, vou apresentá-las. – Um sorriso ainda mais largo traía-o, mas ele não parecia se importar. Apenas percebia que a mulher se acanhava um pouco. – Ou se importa que sentemos junto a vocês? – Fitava-a por meros dois segundos, antes de começar a caminhar em direção à mesa. O olhar vitorioso, o sorriso ainda lá. – Tenho certeza de que não. Vamos...

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Prólogo

Lara olhava ao redor, pesquisando aquele ambiente estranho. Achava tudo muito curioso, ali dentro. À primeira vista, pareceria uma boate, e provavelmente o fora em algum momento, mas agora não era isso. Havia uma pista de dança, isso sim, mas ninguém dançava ali... apenas passavam por aquele meio, deixando o corpo balançar ao ritmo, mas não era dança, ao menos não em um sentido estrito. Observava os ires e vires daquelas pessoas, por trás de uma tulipa de chopp, bem gelada. Tudo era bem cheio de rituais, de movimentos que pareciam ensaiados, de alguns olhares gélidos e tantos outros temerosos.

Próximas a cada mesa, almofadas grandes acomodavam aqueles joelhos aflitos, de gente que só esperava um sussurro ou gesto daqueles sentados às cadeiras para pegar a comanda e correr até o balcão do bar. O lugar tinha garçons, mas quase ninguém se preocupava em chamá-los então eles se amontoavam perto do balcão, olhando tudo aquilo, divertidos... pareciam mais acostumados que ela, a noites daquele tipo. A música, de um jovem DJ escondido com sua pick-up, num canto perto da escada, era boa, ela precisava admitir. Por isso mesmo gostaria de ver mais gente dançando. Mas sabia que ninguém estava ali para isso. Ela mesma era apenas uma curiosa, convidada por um casal de amigos, Mauro e Paula, que afirmava conhecer tudo aquilo, mas se envolvia pouco e gostava apenas de ir conversar e ver encontros do tipo.

- Que foi, Larinha? – Paula perguntava, com um ar de escárnio, provocando-a – Não se preocupe que ninguém aqui vai te morder... se você não quiser, claro.

- Não é isso. Eu apenas imaginava encontros desse tipo de certa forma mais glamourosos. Todo mundo vestindo couro, espartilhos, máscaras...

- E todos estátuas gregas, homens altos, fortes e viris, mulheres esculturais, com seios explodindo para fora de corseletes? – Mauro fazia graça, mas tinha razão... eram pessoas comuns, ali, não aquela gente de livros e contos a quem você costuma associar esse tipo de fetiche.

- É... acho que seria mais fácil entender essas preferências estranhas se todo mundo fosse perfeito, aqui. Acho apenas curioso... esperava algo do tipo que se lê sobre o “Hellfire Club”, em Nova York. – ela ria, e olhava em volta, ainda pensativa... não é que as pessoas se vestissem de modo muito convencional, ali... mas também não havia tudo aquilo que ela esperava. Paula interrompia suas divagações.

- Na verdade... o que você quer ver não costuma aparecer em noites comuns, assim. Existem outros encontros e festas, bem mais reservados. Normalmente, não são convidados mais que 10 Tops, para um desses...

- Tops? – interrompia Lara.

- O pessoal que senta às mesas e que dá as ordens. – Paula ria – Cada Top, no entanto, pode levar quantos bottoms, esses que ficam de joelhos ou sentados no chão, tiver e quiser. Nesses encontros sim, cada um traz sua melhor roupa, pose e pompa. Tops mais cuidadosos costumam presentear seus bottoms com “coleiras de gala”, quando os chamam para noites assim. Essas que você está vendo por aqui, em alguns pescoços, são consideradas coleiras comuns, só um sinal de posse. E as poucas coleiras menos delicadas, com mais argolas de metal e sem iniciais inscritas nelas – apontava um exemplo, no pescoço de uma menina que passava apressada, até o balcão – são coleiras de treinamento. Normalmente usadas ou em cenas mais pesadas, ou por bottoms que ainda não ganharam o direito de portar as iniciais de seus Tops, consigo.

Lara ria. Toda a ritualística parecia ser bem mais complexa do que ela imaginara, até ali. Entendia, em parte, como aquilo tudo servia para definir muito bem as relações de poder, e agora compreendia porque algumas daquelas coleiras tinham letras gravadas, no couro ou em plaquinhas de metal presas a ele. Estudava tudo aquilo com um sorriso discreto, nos lábios. Começava a achar o assunto um pouco mais interessante, mas ao mesmo tempo concluía que jamais aceitaria algo do tipo, para si. Era mulher independente, dona de sua vida e de suas vontades, certa de sua individualidade. Julgava-se segura demais de sua sexualidade e de seus impulsos, para submeter-se àquele tipo de jogo e manipulação. Para ela, todas aquelas mulheres ajoelhadas que se deixavam dominar eram inseguras. Ela jamais aceitaria.

- Também vejo mais homens... bottoms... do que imaginava. Acho que tantos quantos mulheres, não? Mas a postura é diferente. – observava homens de pé ao lado de suas Tops que, sentadas, conversavam com os outros presentes e sorriam, por vezes dirigindo algum mal-trato a eles, aparentemente gratuito – Tem horas que se parecem mais com guarda-costas.

Paula e Mauro apenas riam, começando agora a cumprimentar alguns amigos que chegavam ao local. Lara tomava mais um gole do chopp e acomodava-se melhor à cadeira, olhando em volta, interessada. Ao centro da pista, preso a uma pilastra, havia um grande X de madeira (Paula dissera-lhe que se referem àquilo como cruz) pintado de preto, com argolas de metal nas quatro pontas e algemas de couro pendendo das argolas superiores. A noite mal começara, mas imaginava que veria aquilo em uso, até o fim dela. Das laterais da pilastra, presos a ganchos discretos, pendiam alguns instrumentos incomuns. Chicotes de vários tipos e tamanhos, alguns de uma ou várias tiras de couro, lisas, outros de corda, com diversos nós ao longo, de aparência um tanto dolorosa. Aquilo lhe causou um calafrio estranho, na espinha... não imaginava como a dor daquilo poderia ser algo prazeroso.

- Lara, esta é a Dama Negra, organizadora e dona da festa. – Mauro interrompia seus pensamentos, apresentando-lhe uma mulher de figura esguia, sorriso perigoso e voz envolvente.

- Olá, Lara, e seja bem-vinda. É um grande prazer recebê-la. Domme, sub ou baunilha? – ela sorria e dava-lhe um beijo de cada lado do rosto. Era de baixa estatura, pele morena, cabelos bem negros, olhos escuros... usava um salto enorme, fino, e puxava atrás de si, por uma correia, a coleira de um jovem corpulento, forte, com jeito de pit bull... ele apenas ficava ali, parado, olhando-a, sem se apresentar. A pergunta dirigida deixou um ar de dúvida, por alguns instantes, ao que a Dominadora se apressou em explicar – Dominadora, submissa ou curiosa, mocinha. Mas já tenho a resposta. – ela ria, divertindo-se com a desconhecida curiosa, e notava-a olhando o rapaz atrás de si – Liga não, ele é sempre assim. Sabe seu lugar e não morde... e ai dele se morder. – olhava para o jovem, que parecia sentir um certo arrepio, sob o olhar da Dona, mas tentava manter-se plácido. – Não é, lixo? – ele fazia que sim com a cabeça, ainda praticamente mudo.

- Muito prazer, é bem interessante estar aqui e conhecer um pouco mais desse mundo. Espero que não me considerem uma intrusa, aqui. Vim a convite de meus amigos, Mauro e Paula. – eles meneavam um “sim”, com a cabeça, sorrindo e então voltando-se para cumprimentar o rapaz que viera seguindo Dama Negra. Ele apenas sorria e fazia um aceno afirmativo com a cabeça. Lara continuava – Mas, pra falar a verdade, eu não acho que essas coisas sejam pra mim, não. Acho legal, e de uma dedicação admirável. Mas...

- Mas você é uma mulher muito segura de si, independente, dona da própria vida, para ser uma submissa. – a Dama tirava as palavras de sua boca, não exatamente na mesma ordem – Acha que só serviria para ser Dominadora e mesmo assim não se vê capaz de tratar alguém dessa forma. Eu sei bem como é... mas garanto que você já sentiu um prazer incontido em ver um homem se prestar às coisas mais idiotas para agradá-la. Que também já teve suas fantasias e tem seus desejos de ser pega com firmeza, num momento mais impulsivo, deixando-se levar por aqueles braços fortes e movimentos bruscos. – sorria, de um jeito enigmático, aproximando-se dela para falar em um tom mais baixo e enfático – Você só não se deu a chance de explorar nenhum desses seus dois lados, ainda. Mas não se preocupe, ninguém jamais lhe forçaria a nada, aqui. Você só precisa se preocupar se começar a sentir algo novo. – ela piscava o olho direito e ria, mesmo perante a expressão incrédula da ouvinte. – Agora se me der licença, tenho uma festa inteira a cumprimentar. – dava-lhe mais um beijo e saía, puxando aquele homenzarrão pela coleira e pisando firme.

Lara não sabia muito bem o que pensar, enquanto observava-a se afastar. Dama Negra parecia agora uma mulher mais forte, para sua estatura, e imaginava claramente aqueles saltos agulha marcando a pele de algum pobre bottom. Mas não fazia o tipo que levantaria qualquer suspeita, de quem a visse passar pela rua. Agora, pensando um pouco melhor a respeito, estranhava outra coisa. Não ouvira um nome, só aquele apelido. Tão estranho, mas falado com tamanha naturalidade que não parecia fora do comum chamar alguém assim. Ria baixinho consigo mesma, ao pensar aquilo, e terminava sua tulipa de cerveja, descontraída.

Mas foi por cima da borda do copo, após o pensamento tolo e aquele riso em particular, que pela primeira vez sentiu o estranho calafrio. Do outro lado da pista, um par de olhos a fitou. Algo acidental, os dois olhares só passeavam pelo local e se encontraram no meio daquele vagar. Ela parou o movimento, não devolvendo a tulipa à mesa... sentia-se idiota, pois parecia achar que aquilo a esconderia e faria ele desviar a atenção para algo mais. Sabia que não, no entanto. Havia um brilho irredutível no azul daqueles olhos. E foram os seus, castanhos, que desistiram, voltando-se para o chão, instintivamente.

Deixou o copo sobre a mesa, respirando fundo e voltando a sorrir, se virando para falar com Paula. Encontrou os olhos da amiga e um sorriso malicioso em seus lábios. Sabia que ela tinha percebido aquele momento e o quanto encarnaria em sua pele, se não arrumasse um assunto logo.

- Simpática, a Dama Negra. Então, todo mundo por aqui se dá apelidos e é chamado por eles? – sorria, em deboche – E quem são você e o Mauro, então? Dom Branquelo e Lady Não-tão-loira? – ria baixinho, virando-se e tentando acenar para algum garçom... mas viu todos agora entretidos com a imagem de uma menina que fora presa à cruz e aguardava seu Top, que rodeava-a com um sorriso malicioso decorando os lábios, decidir o que faria.

- Não nos demos apelidos, até hoje. – Paula tinha aquele sorriso ambíguo, deixando claro que não deixaria aquela passar tão facilmente – Já lhe disse que não somos tão assíduos e nem seguimos o estilo de vida, como alguns, que tentam fazê-lo 24 horas por dia, sete dias por semana.

Lara sentia um calafrio. – Como assim? Você quer dizer que tem gente que... age assim em todo lugar, todo dia? – Não conseguia compreender aquilo, sempre achou que fosse coisa apenas de livros e contos. – Ah, Paulinha, vai me perdoar mas aí já fica esquisito demais, tá? Não quero julgar o que vocês ou eles curtem fazer, mas... – Olhava as pessoas à sua volta, um tanto incrédula. Errou, no entanto, ao deixar-se levar pela curiosidade. Queria saber se aqueles olhos azuis estavam novamente sobre ela. Um calafrio voltou-lhe à espinha, ao descobrir que sim. Pensou no que falava e imaginou aquele olhar sobre si um dia inteiro. Imaginava-se reagindo àquilo antes que sequer a primeira hora passasse. Não podia descrever o modo como aqueles olhos a perscrutavam, de tão longe.

- Não é assim, do jeito que você está vendo aqui, Lara. – Mauro respondia. – Nem daria pra ser, isso só rola nos livros. Mas existem maneiras mais discretas de se demonstrar submissão. Existem olhares que substituem muito bem as ordens óbvias, nos momentos mais oportunos. Algumas horas é apenas uma questão do tom da voz. É interessante, porque muitas vezes a própria parte submissa incorpora aquele comportamento, no dia-a-dia. – Ele ria, baixinho, vendo a reação de Lara. – Calma, tudo isso é baseado em regras e limites acordados por ambas as partes. Normalmente quando o bottom ganha sua primeira coleira. Por isso que às vezes, por mais que se teste e saia com um submisso ou uma submissa, a relação não chega ao encoleiramento. Porque na aproximação inicial os dois lados vão apenas se testando... muito parecido com um relacionamento comum, não-BDSM.

- Ah, então a coleira é meio como um “quer namorar comigo” sadomasoquista, né? – Lara fazia graça, ao conseguir desviar o olhar, tentando descontrair-se mais, com tudo aquilo. Não conseguiu prestar atenção a tudo o que Mauro comentou, enquanto ela mesma tentava decifrar aqueles olhos, o homem agora sorria, enquanto a olhava. – É quando você não está mais “ficando”. – Ria, olhando para os dois, que apenas sorriam e balançavam a cabeça, negativamente.

- Nesse ponto, não dá pra fazer comparações... – Paula tentava soar compreensiva, apesar do deboche da amiga. – A coleira tem um significado próprio, muito intenso. O encoleiramento é o reconhecimento de ambas as partes quanto à força um do outro. O Top reconhece a dedicação e capacidade do bottom em corresponder às expectativas, enquanto o segundo reconhece o poder do primeiro sobre si. É normalmente um ritual muito bonito, seja entre quatro paredes, seja numa festa como essa. Envolve uma série de juras de submissão, promessas de dedicação e palavras de conforto e aceitação. A coleira é o direito de portar as iniciais do Dono consigo, e isso traz um grande orgulho à parte que se submete. É também a promessa de muitas “lições” vindouras e um adestramento árduo, pela frente. – Ela ria, vendo Lara arregalar os olhos. – Sim, adestramento é exatamente o que parece: uma forma de condicionamento. Para a maioria, envolve toda uma dança, mesclando dor, humilhação, carícias, sexo e prazer. Tem horas e cenas que te deixam com pena do bottom, só de ver. Mas se você olhar em seus olhos, existe uma resiliência orgulhosa, em suportar tudo aquilo e ainda se dedicar tanto aos caprichos daquela pessoa. Eu não vejo os bottoms como pessoas fracas, Larinha. E nem você deveria.

Ela sorria de um jeito malicioso, como quem queria dizer um tanto mais, mas emudecia. Lara aprendera a não gostar quando Paula ficava calada, assim. Queria sempre dizer encrenca a caminho. Mas ela jamais falaria o que estava percebendo, no ar. Divertia-se com aquilo. Um pouco irritada, Lara decidiu deixar a amiga com seus pensamentos tolos e ver um pouco mais da festa. A submissa presa à cruz, de frente para a mesma, já deixara de esperar pelos caprichos de seu Dono. O vestido de alças, negro, levantado até a altura da cintura, deixando à mostra uma calcinha bem fina, de renda vinho. Os pés descalços, uma coleira de couro marrom, no pescoço. Pendurada a ela, uma plaquinha com as iniciais L.A. Assim, daquele ângulo, parecia uma coleira de cão. As nádegas expostas, sofrendo os golpes de uma palmatória de couro negra, alternadamente. O instrumento parecia uma raquete de ping-pong, mas menos arredondada, coberta de couro negro, com detalhes de um couro mais claro, no cabo. Os estalos preenchendo a sala, mais altos que o burburinho das mesas. Muitos paravam de conversar, apenas observando a cena. O corpo da mulher se comprimia contra a cruz, logo antes de cada investida. Não esperava a dor, para reagir. Sabia exatamente como seria, o que sentiria... era estranho, notar aquilo.

O olhar atento de tantas pessoas, em volta, mas era como se para aquela pessoa presa à cruz não houvesse ninguém. Seus olhos buscavam apenas o Dono, cada vez que ele a rodeava, em passos que mais assemelhavam-se a um predador rodeando sua presa. Ele vestia uma camisa social de um azul bem escuro, com as mangas compridas dobradas à altura dos cotovelos. As calças de um jeans negro, sapatos de couro preto e cabelos curtos, castanhos bem claros, arrepiados.

A escrava suplicava-lhe com os olhos, mas não ficava claro pelo quê ela implorava. Não parecia que a dor lhe afetava àquele ponto. Havia um amor incondicional, no olhar, e o Dono dirigia-lhe algo estranhamente similar. Voltava a deixar a linha de visão da bottom e os golpes recomeçaram. Agora mais rápidos, mais fortes, mais intensos. Todos ao redor se ajeitavam em suas cadeiras, e com Lara não era diferente. A menina gritava, berrava, começava a chorar. Tudo se intensificando, o burburinho das mesas cessando quase por completo. Não havia mais nada naquela sala cheia. Apenas os urros de dor de uma mulher presa a algemas de couro, balançando contra elas, comprimindo os seios e o rosto contra aquele enorme X negro, de madeira, como se pudesse fugir àquilo. Suplicava, em soluços incontidos.

- PERDÃO, SENHOR! PERDOA-ME POR SER UMA VADIA, INDIGNA DE SUA ATENÇÃO! ME FAÇA DIGNA, MESTRE! – tentava respirar, entre os gritos – Deixa essa cadela ficar aos seus pés... me torna tua, completamente.

Ia perdendo a voz, à medida que os golpes ficavam mais espaçados, mas não perdiam a força. O homem, aproximava-se, agarrando-lhe os cabelos com força e puxando-os para trás, indo sussurrar algo no ouvido da serva, para em segui-la soltá-los bruscamente, voltando a maltratá-la.

- Obrigada, meu dono. – um estalo preenchia a sala – Serei sua enquanto assim desejar. Enquanto achar que mereço... OBRIGADA!

Após um último golpe, com um estalo que parecia poder fazer toda a sala tremer, tudo ia abaixando de tom, menos a respiração de Lara. Ela sentia-se alterada, com aquilo. Não estava pronta para o que acabara de ver. Sentia revolta pela dor daquela menina. Suas nádegas vermelhas, agora um tanto inchadas, e aquela sensação de impotência, em seus olhos. Mas aquelas palavras. A revolta misturava-se a uma estranha excitação que ela recusava-se a aceitar. Toda uma ansiedade tomava-lhe o corpo, acelerando o pulso. Sentindo a respiração descompassada. Levava uma das mãos à boca, sem nem perceber, em espanto. Tudo aquilo... e a submissa, solta das algemas, caía de joelhos abraçando as pernas do Dono, com um carinho tão surreal. Limpava as lágrimas discretamente, contra a lateral das calças do homem, e sorria ternamente. O olhar com o brilho de uma entrega apaixonada. O Dominador tocando e acariciando seus cabelos, com uma das mãos... tinha um sorriso de satisfação, mas não de vitória. Não estava ali para ganhar. Era o leão, deitado calmamente, segurando a presa inerte pelo pescoço... sufocando-a aos poucos. Segurava a palmatória com a outra mão e fazia a escrava beijá-la, agradecida.

Lara levantou-se, enquanto um garçom lhe trazia outro chopp. Precisava se acalmar. Parecia infecta com algum tipo de euforia, no ar, mas ao contrário dos outros à volta, não entendia nem gostava. Todos olhavam para a cena dos dois ali, juntos, com um profundo respeito e admiração. A advogada apenas cobria o espaço entre a mesa e o banheiro a passos largos, precisando jogar um pouco de água no rosto. Recuperar o fôlego, com mais calma. Olhava-se no espelho, corada. Sentira-se uma invasora, naquele momento. Não devia estar ali. Ninguém deveria. Achava-se tão exposta quanto a submissa que estava presa à cruz. Jogava água no rosto, buscando uma toalha de papel para se secar. Assustou-se ao abrir os olhos e olhar no espelho, vendo alguém adentrar o banheiro feminino, atrás de si.